Carta anônima

Se gostar de poesia, fique.

A gente encontra um cantinho para desaparecer do mundo que ameaça nossa sensibilidade. Procura a beleza no meio do caos. Recusa esse tempo do relógio que já não mostra mais as horas, só exibe ponteiros gritando ansiosamente: corra, corra, corra.

Sei que é assustador, afinal é ir contra tudo e todos que estão ao redor. Talvez seja até intimidante quando olharmos nos olhos. Porque eles revelam tanto e já não se faz mais isso, né? Mas eu topo me desnudar, já não ligo mais pro “certo e errado” lá de fora.

Acontece que não sei não amar. Na verdade, eu sei amar. Mas não se assuste, ou tome isso como algo pesado de se carregar. “Ela tem sentimentos”. Sim, na era do Tinder, eu tenho sentimentos. Você sabe que pessoas como eu não estão lá, de qualquer forma.

É porque sou essencialmente assim que já chorei oceanos. E não me importaria de fazer tudo de novo, nunca seguraria ninguém à força se quisesse partir. Não é das dores do amor que tenho medo. O vazio de não sentir nada dessa vida apressada é que me assusta mais.

Agora, isto é fato: vou contar sobre ser mulher e talvez isso seja um pouco difícil de ouvir. – mas é por uma causa maior. E juro que vou tentar ser amorosa nisso, não raivosa, mas tampouco passiva. 

De fato, é complexo mesmo explicar as subjetividades que perpassam nascer e viver em uma sociedade machista e agressiva dentro de um corpo feminino. Antes eu olhava para mim mesma como se fosse composta de partes segmentadas. 

Entendo que soa estranho. Mas é que seu corpo nunca foi reduzido exclusivamente a uma “pele”, um “cabelo”, uma “nádega”, um “braço”, “um abdômen”. Nem tampouco seu intelecto foi analisado como algo “à parte” de tudo isso. 

Antes de chegar aqui, nestas palavras, eu tive que me descobrir inteira, recolher os pedaços, me perceber completa em mim mesma. E não foi fácil. Teve muito suor, cansaço e confusão envolvidos nesse processo. 

É por isso que essas conversas vão acontecer, não posso evitar. Porque elas são necessárias para um lugar de igualdade entre nós e não teria como ser diferente. Não estaria disposta a voltar lá para o começo. Seria uma loucura inconcebível.

Mas eu também nunca estaria aqui para viver em pé de guerra. Como eu disse, não sei viver nada disso sem amar.

Gosto de agradar. Danço, canto, brinco, leio. Se existe uma verdade é que não preciso de muito além de palavras e conversas que me façam esquecer do mundo e toda seriedade que é ser adulta para estar serena e feliz. 

Não ligo pro seu cargo, não me importa o quanto você ganha. Essas conversas me entediam um pouco.

Bom…e tem isso. Eu escrevo. 

Então, se gostar de poesia, fique. Quem sabe eu te transformo em alguma.

2 respostas para “Carta anônima”

    1. Fico feliz de saber que gostou do texto, Pedro! 🙂 Obrigada por ter tirado um tempinho para deixar esse comentário.

      Abraço
      Rafa

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