Um texto de 19 de abril de 2025.
Foto: Angélica Liddell, interpretando La Falsa Suicida, por Atrabilis. Imagem de Domínio Público, via Wikipedia.
Angélica,
Li recentemente seu texto dramatúrgico chamado “Eu não sou bonita”.
Fiquei pensando: para uma mulher, na cultura Ocidental, é melhor ser bonita ou feia?
“Bonita” – se aqui entendo o adjetivo como “dentro dos padrões de beleza”, parece trazer mais oportunidades.
As supermodelos são bonitas.
E, ao mesmo tempo, quando as fotos delas no Instagram, me surge uma estranha sensação ao observar aqueles corpos com tantas costelas e ossos aparentes.
Como se dissessem, de alguma forma:
“ser bonita é a greve de fome do século”.
[mas, mais uma vez, nem tudo são ônus: elas provavelmente são milionárias].
Eu não sou milionária. Eu me preocupo com o aluguel.
Mas eu tenho 30 anos. Não tenho filhos. E também sou bonita.
Acho.
Na verdade, nem sempre me acho bonita.
Mas me dedico para ser. Em certa medida, acho que funciona.
Acho que funciona porque não há praticamente um dia sem que eu saia na rua sem escutar comentários sobre a minha aparência.
Homens me veem e dizem coisas como “que coisa mais linda. Mas que mulher bonita”.
Não vou mentir. Gosto de me sentir atraente.
Mas, claro, fecho a cara sempre e sigo em frente, sempre.
Eu tenho medo. Eu tenho medo.
Não sei se “ser bonita” foi ou é pior ou melhor para mim, pensando neste lugar de mulher.
Você tinha 9 anos quando alguém enfiou a mão em você sem pedir autorização, Angélica. [eu sinto muito].
Comigo acho que foi lá pelos 15, 16. Veja que, nos consideremos bonitas ou não, essa narrativa se repete.
Ontem, sábado do feriado de Páscoa, houve mais de 6 feminicídios no Estado do Rio Grande do Sul. Seis assassinatos em menos de 24 horas.
Em São Paulo, a jovem Bruna Oliveira da Silva, estudante de Pós-Graduação da USP, foi encontrada morta em um estacionamento com as roupas rasgadas, indícios de que fora violentada.
No domingo de Páscoa, a maioria das pessoas está preocupada com a ressurreição de Cristo.
Eu estou preocupada com as jovens e as mulheres.
Quem ou o que poderia ressuscitá-las? Essas vidas tão covardemente encurtadas?
Tento, ao menos, mantê-las vivas em memória por meio destas palavras.
Eu escrevo. Eu escrevo.
E se Cristo fosse mulher? Cristo é mulher? Bonita ou feia, como nós?
Há um ponto da vida, como você coloca, em que se torna difícil amar aos homens quando testemunhamos seus atos.
Sinto raiva de todos. Todos. Sem exceção.
E, ainda assim, busco amá-los e compreendê-los.
Tudo é tão complexo que talvez a única saída para nossa sanidade seja mesmo uma espécie de Síndrome de Estocolmo.
Amar nossos agressores.
Soa bem Crístico, não?
Somos todas, de algum modo, crucificadas de braços abertos todos os dias.
Escreveu a cantora Zélia Duncan:
“Como é perigoso nascer mulher…”
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