Entre Maria Schneider e Maya Deren: quem cria as narrativas do mundo?

Fotografia: Por Maya Deren (1917–1961) – Foto de Domínio Público, via Wikipedia

A proposta de traçar paralelos entre a trajetória da atriz Maria Schneider e o cinema de Maya Deren me faz questionar: até onde podem ir as consequências de uma violência? O quanto a sociedade ocidental é conivente com as violências – inclusive no meio artístico?

Já explico melhor. Recentemente, tive a oportunidade de acompanhar uma mostra de curtas produzidos pela atriz e cineasta norte-americana Maya Deren, bem como o novo filme “Meu Nome É Maria”, estrelado pela hipnotizante Anamaria Vartolomei (por quem sou apaixonada desde que a vi em “O Acontecimento”, longa baseado no livro de Annie Ernaux que também inspira minhas pesquisas e Ciclos de Estudos).

Desde então, minha mente tem feito circuitos entre a realidade e as experiências vivenciadas. Durante muito tempo, eu, Rafaela, acreditei ingenuamente que o Universo das Artes poderia ser uma “bolha de proteção”, pois pessoas cultas, elegantes e de esquerda não seriam machistas. 

hehehehe.

Esquecia-me de como, na verdade, sendo o machismo algo estrutural, ele permeia tudo, todas as relações, todos os meios. Na verdade, às vezes, o universo da Cultura e das Artes o revela de forma ainda mais abrupta, justamente por ser o lugar onde se esperaria um olhar mais subversivo, divergente, evoluído.

Maria Schneider e os impactos psíquicos da violência

Hoje, #MeToo e outros movimentos já denunciaram abusos na indústria do Audiovisual, confirmando: mesmo nos espaços criativos, culturais, há desrespeitos (micro e macroviolências). O filme sobre a vida da atriz Maria Schneider é uma denúncia em si mesmo.

Nele, o público é apresentado à forma como a atriz foi levada a gravar uma cena de estupro em frente a uma equipe de câmeras e técnicos, sem ser previamente avisada sobre como se desenrolaria a filmagem e sem ensaio prévio. O restante do enredo é desenvolvido em torno das consequências provocadas por essa vivência, incluindo o abuso de substâncias.

O que me leva a outro exemplo prático e vivido na pele, na mostra de curtas de Maya Deren – uma mulher que escreveu e atuou em vários de seus roteiros -, de quem eu nunca tinha ouvido falar (me pergunto o porquê), ocorrida de forma gratuita pelo CCSP. Adivinha o que aconteceu durante a exibição dos trabalhos dela?

Relato aqui: homens saíam da sessão e bocejavam (propositalmente, em minha percepção), em tom extremamente alto. Como quem diz “que coisa mais chata esses filmes de mulher”. Tentei não dar bola, mas aquilo me incomodou. Sobretudo, por se tratar de um trabalho no qual uma mulher, multi-artista, empenhava toda a sua subjetividade.

Qual é o destino das mulheres que criam e (re)criam narrativas?

Maya Deren suicidou-se, infelizmente. Maria, pelo que o filme dá a entender, supera o vício em heroína. No entanto, não sem antes sofrer muito. Qual é o destino das mulheres que ousam criar suas próprias narrativas trabalhando no campo das Artes (ou, ao menos, peitar as narrativas que lhe são impostas?). É uma pergunta que ficou comigo.

Discutir a Cultura e a forma como ela se faz é importante. Desmontar seus estereótipos também. São eles, afinal, que moldam nosso imaginário e o pensamento crítico de milhares de pessoas e espectadores.

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