Na fotografia, da esquerda para a direita, Audre Lorde, Meridel Le Sueur e Adrienne Rich, em uma oficina de escrita em Austin, Texas, 1980. Créditos: K. Kendall
O que dizer sobre ensinar poesia?
A poeta Audre Lorde escreveu o seguinte:
“Então, ensinar poesia é ensinar a reconhecer o sentimento, é ensinar sobrevivência (…) o papel do poeta enquanto professor é encorajar a intimidade e a investigação. Assim, os medos que nos governam e formam nossos silêncios perdem poder sobre nós” – no artigo “A Poesia faz alguma coisa acontecer”, livro “Sou sua irmã” (Editora Ubu, 2020, p. 107)
Conforme me aproximo da Fase 3 da Execução do Projeto “O Nascer da Poesia”, na EMEB Arnaldo Grin, acredito intensamente que a docência é uma das práticas humanas que mais exige dinamismo. Ela demanda intenso planejamento e, ao mesmo tempo, desprendimento para fluir junto do movimento de um grupo de estudantes.
Acho que cabe dizer do quanto acho complexo nosso formato de ensino que ainda parte da dinâmica de uma pessoa dando aula para mais de 20 em uma sala de aula. Não vejo como ela pode ser plenamente proveitosa para todes, no sentido de que a capacidade de atenção à individualidade de cada estudante fica muito reduzida.
Contudo, considerando tal fato e a realidade do Brasil, no decorrer do projeto venho pensando em como extrair potencialidades a partir dos modelos estruturais do sistema educacional no país. Aí entra a função artista-docente: precisamos buscar formas de tornar aulas mais dinâmicas, integrativas, interessantes, em essência.
Poesia é também corpo e educar é exercício mútuo
Declamar poemas utilizando recursos oriundos das teatralidades (gestos corporais, mudanças nas nuances de voz, alterações de luz) em sala de aula tem se mostrado um recurso extremamente potente e que altera a dinâmica comum, engajando a maior parte das e dos estudantes.
Ademais, acho interessante citar que, quando propus aos alunos que trouxessem poemas de autores que começavam com a mesma letra de seus próprios nomes, entendi algo que ressoa com as teorias de Lorde e, arrisco dizer, com as de pensadores como Paulo Freire: educar é um exercício de compartilhamento mútuo de saberes.
Em outros termos: não é porque estou ali na condição de professora que não tenho nada a aprender. Pelo contrário. Eu mesma conheci e revisitei poetas a partir das pesquisas dos alunos. As escritoras Isadora Duncan e Jacinta Passos são exemplos.
Alguns alunos e alunas, mais tímidos, pediram para que eu interpretasse os poemas trazidos por eles. Aos mais corajosos, estimulei que lessem as palavras, sentindo-as, da forma que quisessem. Acho que a eles, a vivência foi igualmente bonita.
Penso que a experiência nos conectou, pois eu também me coloquei vulnerável, mostrando que a poesia, a literatura são lugares que nos permitem, sim, errar trechos em uma primeira leitura, tentar novamente, praticar, evoluir…este é, a priori, seu propósito. Permitir, sobretudo, que expressemos o que nos atravessa.
Alterar o espaço: a dinâmica da música ao vivo no intervalo
Nos intervalos das aulas do último encontro, convidei o artista Maurício Colina a entoar canções de Cazuza, The Beatles e outros compositores/grupos que transformaram também suas letras poéticas em músicas. A ideia central do Projeto também é esta: ampliar noções acerca do que se entende por poesia e (re)pensar de que formas distintas podemos ser tocadas e tocados por elas.
Mostrar referências é, acredito, uma das melhores “sementes” que podemos deixar a jovens estudantes. É o que tenho tido a oportunidade de vivenciar, na minha própria condição de estudante de Dramaturgia na SP Escola de Teatro, em espetáculos recentes.
Um dos exemplos é “Tão Carne Quanto Pedra”, do Balé da Cidade de São Paulo. Ali nem mesmo palavra se faz, mas a poética se traduz na coreografia e composição dos corpos e movimentos. Ou na apresentação cênica do Grupo Satyros, chamada “Peça para salvar o mundo”, na qual Inteligência Artificial e questões humanas profundamente filosóficas coexistem.
Cito, ainda, a referência dos espetáculos do Grupo Lume (que recentemente completou 40 anos de atuação), nos quais provocações de opressão também podem ser abordadas a partir de experiências de humor e palhaçaria, provocando risadas. Como educadores podem fruir dessas linguagens e adaptá-las para sala de aula, de modo a tornar a poética atraente, presente e estimulante para os jovens?
É uma questão relevante de se pensar na tentativa de responder com a prática. Se você tiver contribuições neste sentido, fique à vontade para comentar.
Caso queira receber meus textos por e-mail, considere também uma inscrição na minha Newsletter de forma gratuita ou paga para ter benefícios exclusivos. 🙂 Caso queira contribuir espontaneamente com qualquer valor para estimular meu trabalho artístico e de escrita, a chave PIX é o e-mail oipoetinha@gmail.com
Com amor,
Rafa