Entre Maria Schneider e Maya Deren: quem cria as narrativas do mundo?

Atriz e diretora Maya Deren, retrato preto e branco em frente a um vidro

Fotografia: Por Maya Deren (1917–1961) – Foto de Domínio Público, via Wikipedia

A proposta de traçar paralelos entre a trajetória da atriz Maria Schneider e o cinema de Maya Deren me faz questionar: até onde podem ir as consequências de uma violência? O quanto a sociedade ocidental é conivente com as violências – inclusive no meio artístico?

Já explico melhor. Recentemente, tive a oportunidade de acompanhar uma mostra de curtas produzidos pela atriz e cineasta norte-americana Maya Deren, bem como o novo filme “Meu Nome É Maria”, estrelado pela hipnotizante Anamaria Vartolomei (por quem sou apaixonada desde que a vi em “O Acontecimento”, longa baseado no livro de Annie Ernaux que também inspira minhas pesquisas e Ciclos de Estudos).

Desde então, minha mente tem feito circuitos entre a realidade e as experiências vivenciadas. Durante muito tempo, eu, Rafaela, acreditei ingenuamente que o Universo das Artes poderia ser uma “bolha de proteção”, pois pessoas cultas, elegantes e de esquerda não seriam machistas. 

hehehehe.

Esquecia-me de como, na verdade, sendo o machismo algo estrutural, ele permeia tudo, todas as relações, todos os meios. Na verdade, às vezes, o universo da Cultura e das Artes o revela de forma ainda mais abrupta, justamente por ser o lugar onde se esperaria um olhar mais subversivo, divergente, evoluído.

Maria Schneider e os impactos psíquicos da violência

Hoje, #MeToo e outros movimentos já denunciaram abusos na indústria do Audiovisual, confirmando: mesmo nos espaços criativos, culturais, há desrespeitos (micro e macroviolências). O filme sobre a vida da atriz Maria Schneider é uma denúncia em si mesmo.

Nele, o público é apresentado à forma como a atriz foi levada a gravar uma cena de estupro em frente a uma equipe de câmeras e técnicos, sem ser previamente avisada sobre como se desenrolaria a filmagem e sem ensaio prévio. O restante do enredo é desenvolvido em torno das consequências provocadas por essa vivência, incluindo o abuso de substâncias.

O que me leva a outro exemplo prático e vivido na pele, na mostra de curtas de Maya Deren – uma mulher que escreveu e atuou em vários de seus roteiros -, de quem eu nunca tinha ouvido falar (me pergunto o porquê), ocorrida de forma gratuita pelo CCSP. Adivinha o que aconteceu durante a exibição dos trabalhos dela?

Relato aqui: homens saíam da sessão e bocejavam (propositalmente, em minha percepção), em tom extremamente alto. Como quem diz “que coisa mais chata esses filmes de mulher”. Tentei não dar bola, mas aquilo me incomodou. Sobretudo, por se tratar de um trabalho no qual uma mulher, multi-artista, empenhava toda a sua subjetividade.

Qual é o destino das mulheres que criam e (re)criam narrativas?

Maya Deren suicidou-se, infelizmente. Maria, pelo que o filme dá a entender, supera o vício em heroína. No entanto, não sem antes sofrer muito. Qual é o destino das mulheres que ousam criar suas próprias narrativas trabalhando no campo das Artes (ou, ao menos, peitar as narrativas que lhe são impostas?). É uma pergunta que ficou comigo.

Discutir a Cultura e a forma como ela se faz é importante. Desmontar seus estereótipos também. São eles, afinal, que moldam nosso imaginário e o pensamento crítico de milhares de pessoas e espectadores.

Gostou do texto?

Te convido a se inscrever no Ciclo de Estudos “Conversas com Annie Ernaux” – uma série de quatro aulas para debatermos a obra da escritora francesa em eixos-temáticos da contemporaneidade. Início das aulas em maio!

“Eu sou bonita. (Ou: uma resposta a Angélica Liddell)”

Imagem em preto e branco, na qual Angélica Liddell interpreta La Falsa Suicida, com um boneco de pano atado a seu corpo e dois cartazes na mão.

Um texto de 19 de abril de 2025.

Foto: Angélica Liddell, interpretando La Falsa Suicida, por Atrabilis. Imagem de Domínio Público, via Wikipedia.

Angélica,

Li recentemente seu texto dramatúrgico chamado “Eu não sou bonita”.

Fiquei pensando: para uma mulher, na cultura Ocidental, é melhor ser bonita ou feia?

“Bonita” – se aqui entendo o adjetivo como “dentro dos padrões de beleza”, parece trazer mais oportunidades.

As supermodelos são bonitas.

E, ao mesmo tempo, quando as fotos delas no Instagram, me surge uma estranha sensação ao observar aqueles corpos com tantas costelas e ossos aparentes.

Como se dissessem, de alguma forma:

“ser bonita é a greve de fome do século”.

[mas, mais uma vez, nem tudo são ônus: elas provavelmente são milionárias]. 

Eu não sou milionária. Eu me preocupo com o aluguel.

Mas eu tenho 30 anos. Não tenho filhos. E também sou bonita.

Acho.

Na verdade, nem sempre me acho bonita.

Mas me dedico para ser. Em certa medida, acho que funciona.

Acho que funciona porque não há praticamente um dia sem que eu saia na rua sem escutar comentários sobre a minha aparência.

Homens me veem e dizem coisas como “que coisa mais linda. Mas que mulher bonita”.

Não vou mentir. Gosto de me sentir atraente.

Mas, claro, fecho a cara sempre e sigo em frente, sempre.

Eu tenho medo. Eu tenho medo.

Não sei se “ser bonita” foi ou é pior ou melhor para mim, pensando neste lugar de mulher.

Você tinha 9 anos quando alguém enfiou a mão em você sem pedir autorização, Angélica. [eu sinto muito]. 

Comigo acho que foi lá pelos 15, 16. Veja que, nos consideremos bonitas ou não, essa narrativa se repete.

Ontem, sábado do feriado de Páscoa, houve mais de 6 feminicídios no Estado do Rio Grande do Sul. Seis assassinatos em menos de 24 horas.

Em São Paulo, a jovem Bruna Oliveira da Silva, estudante de Pós-Graduação da USP, foi encontrada morta em um estacionamento com as roupas rasgadas, indícios de que fora violentada.

No domingo de Páscoa, a maioria das pessoas está preocupada com a ressurreição de Cristo.

Eu estou preocupada com as jovens e as mulheres.

Quem ou o que poderia ressuscitá-las? Essas vidas tão covardemente encurtadas?

Tento, ao menos, mantê-las vivas em memória por meio destas palavras.

Eu escrevo. Eu escrevo.

E se Cristo fosse mulher? Cristo é mulher? Bonita ou feia, como nós?

Há um ponto da vida, como você coloca, em que se torna difícil amar aos homens quando testemunhamos seus atos.

Sinto raiva de todos. Todos. Sem exceção.

E, ainda assim, busco amá-los e compreendê-los.

Tudo é tão complexo que talvez a única saída para nossa sanidade seja mesmo uma espécie de Síndrome de Estocolmo.

Amar nossos agressores.

Soa bem Crístico, não?

Somos todas, de algum modo, crucificadas de braços abertos todos os dias.

Escreveu a cantora Zélia Duncan:

“Como é perigoso nascer mulher…”

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“Vitória”, “Monster” e “Adolescência”: o que a juventude quer nos dizer?

Foto de divulgação do filme "Vitória", cena entre atuantes no corredor; Dona Vitória, com uma sacola verde na mão, conversa com o jovem Marcinho;

Fotografia: Suzanna Tierie/Divulgação, via Jornal Extra

Será que os filmes “Monster”, “Vitória” e a série “Adolescência” têm algo em comum, considerando a questão: o que a juventude quer nos dizer? Vou tentar explicar (a você e a mim mesma).

Talvez um dos papéis mais relevantes da Arte na sociedade seja este: colocar determinados temas em evidência. Assim como aos jornalistas, a partir de uma série de critérios, cabe decidir o que é ou não “notícia”, aos artistas cabe escolher sobre o que falar.

Por exemplo: ao escrever um texto de Dramaturgia, necessito entender SOBRE O QUE falar, PARA QUEM quero falar e a FORMA como quero falar. É neste sentido que procuro agora estabelecer uma relação entre três produções audiovisuais que acompanhei recentemente. O ângulo que escolho é justamente a presença de jovens nelas.

1. Adolescência

Na série “Adolescência”, da Netflix, a proposta da produção é bastante óbvia e já escancarada no título: precisamos falar sobre o universo dos adolescentes na atualidade. O mundo da internet afeta as percepções e as relações das e dos jovens sobre a realidade?

Indiscutivelmente, sim. Os pais de outras gerações compreendem de forma ampla este impacto? Indiscutivelmente, não. Isso pode levar a consequências trágicas.

Aqui no Brasil, reflexo do que acabo de escrever é a proibição por lei do uso de celulares nas escolas da Rede Pública e Privada. Enquanto artista-docente em uma delas, por intermédio do Projeto O Nascer da Poesia, concordo que a proibição é necessária.

No entanto, proibir é também uma forma radical de admitir: não fomos capazes, enquanto sociedade, de lidar com a questão de forma mais organizada. O que, a meu ver, simboliza também uma fragilidade de nosso sistema.

2. Monster

Já “Monster” é uma produção majoritariamente focada nas implicações do ambiente escolar a partir de diferentes perspectivas: a de uma mãe solo, um educador, uma diretora – e, claro, de alunos (dois, em específico).

Uma mensagem que ficou comigo a partir do filme é esta: precisamos acolher os afetos que brotam entre jovens – sem visões maliciosas de adultos. Este é um caminho possível para pensar possibilidades de futuro menos catastróficas.

3. Vitória

Por fim, cito “Vitória”, filme nacional que estreou recentemente com a gigante Fernanda Montenegro. Nele, a crítica central é outra: a problemática dos territórios no Brasil, algo que persiste desde que os primeiros europeus pisaram aqui e que ganha novos e assustadores contornos com a evolução neoliberal.

Aqui, temos como enfoque a milícia. A ditadura que nunca acabou em zonas periféricas tomadas pelo tráfico de drogas. Aquilo que remete às feridas mais profundas da nação (#MariellePresente – sempre).

Sim, entre tudo o que menciono e me parece caber neste texto, acho que talvez a ferida mais sangreta, latente e urgente de estancarmos no Brasil é esta: as vidas jovens perdidas para a droga, o vício, o caminho contrário à Educação e Cultura. Até quando?

Jovens de 13 anos [muitas vezes, negros], viciados em cocaína são seres humanos que denunciam ainda haver algo de muito equivocado nisto a que chamamos de civilização. É preciso repensar nossos modelos.

Naturalmente, neste texto procurei refletir sobre três criações audiovisuais muito distintas em vários aspectos. “Adolescência” é uma série que se passa na Inglaterra, “Monster” tem o Japão como contexto e “Vitória”, conforme citado, é uma produção nacional. 

Todas elas, contudo, nos proporcionam um importante alerta: precisamos dialogar sobre – e com – adolescentes. Parar de estigmatizá-los de forma simplista como “difíceis”. Expressar nosso amor a elas e a eles. As e os adolescentes de hoje (que são também a esperança de algum futuro neste planeta sujeito à deterioração climática acelerada).

E você, já acompanhou a série ou os filmes citados? Quais foram as suas percepções? Fique à vontade para expressar sua opinião nos comentários.

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Com carinho,

Rafa

Permitir a expansão da poesia: Fase 1 do Projeto “O Nascer da Poesia”

Na fotografia, da direita para esquerda: Fernando Bertuzzi (Diretor-Geral), Mônica Reichert (Orientadora Educacional), Bruna dos Santos Cândido (Vice-Diretora), Adriana Bergold (Coordenadora Pedagógica) e Rafaela Dilly Kich (Artista Proponente).

Na fotografia, da direita para esquerda: Fernando Bertuzzi (Diretor-Geral), Mônica Reichert (Orientadora Educacional), Bruna dos Santos Cândido (Vice-Diretora), Adriana Bergold (Coordenadora Pedagógica) e Rafaela Dilly Kich (Artista Proponente).

Créditos da foto: Iván Andrés Fornos Angues

No dia 28 de fevereiro de 2025, tive a alegria de me reunir com a Equipe Diretiva da Escola Municipal de Ensino Básico (EMEB) Arnaldo Grin, representada na fotografia por seu corpo diretivo. A Escola será “palco” para a implementação de meu projeto “O Nascer da Poesia: Pequenos Poemas, Grandes Ideias“, viabilizado por intermédio de financiamento do Estado do Rio Grande do Sul e apoio do Programa RS Seguro COMunidade.

Pude observar um pouco da rotina dos alunos e alunas, compreender melhor os desafios apresentados pelo seu contexto social e, claro, observar também as belezas cultivadas neste espaço escolar tão precioso e acolhedor (horta, jardim, artes nos muros, entre outros elementos).

Ainda, em momentos compartilhados na sala dos professores, senti abertura, receptividade e acolhimento. No decorrer da realização de minha proposta pedagógica e poética, penso que o maior desafio será contemplar as individualidades de cada estudante em seu percurso de ensino – considerando uma metodologia contemporânea, os diferentes níveis de aprendizado e os interesses particulares de cada um.

Mesclando atividades como jogos (oriundos do Teatro, sobretudo performático), tarefas expositivas e intervenções poéticas com outros convidados e convidadas especiais, creio que faremos um belo trabalho. Este consistirá, sobretudo, em oferecer mecanismos estimulantes para viabilizar a expressão da poesia que já vive em cada uma e cada um deles.

Quer saber mais sobre este e outros projetos culturais que venho implementando? Inscreva-se na minha Newsletter via Substack!

Tem algum comentário a compartilhar? Sinta-se à vontade aqui embaixo ou pelo e-mail rafaela.kich@gmail.com 🙂

ORA-PRO-NÓBIS – Manifesto 2025

fundo branco com pratos coloridos decorados, em tons de branco e dourado e desenhos de linhas finas - semelhantes a mandalas

Texto: Rafaela Dilly Kich e Foto: Raul Cacho Oses, via Unsplash

Quem sou eu? Quem são vocês?

Se vocês também escrevem e algum dia se interessaram por sua anatomia vaginal – simbólica ou literalmente – lhes dedico estas palavras. Companheiras: somos hortaliças não convencionais. Mas já não somos como na chegada, caladas, preparando o jantar. 

Virginia Woolf questionou, em 1929: por que aos universitários identificados como sexo masculino é servido peixe dentro das universidades e nós, pessoas-mulheres, temos que nos contentar com ameixas? O que nossos cérebros criam com ameixas?

Claro, não estamos na Inglaterra. Nem – ufa! – nos Estados Unidos, onde Trump implementa uma ideologia política originária de um pensamento de 1919. Mil novecentos e dezenove. Isto segundo matéria do Estadão: em tempos de pós-verdade é sempre bom citar a fonte.

Buenas, 1919 é antes ainda do manifesto de Virginia. Virginia, Virginia, Virginia, fluxo de consciência, meu pensamento. Ah, sim. Aqui no Brasil. Comendo ameixas a gente até fica bonitinha, tipo capa da Caras ou Glamour. Mas a gente não pode sentar apáticas e cadavéricas e simplesmente esperar uma mudança, concorda?

Mulheres querem banana, feijão, “um teto todo seu” e dignidade para escrever. Este grito já vem desde Carolina Maria de Jesus. Infelizmente, ainda somos, companheiras, a carne pobre, o sexo da pobreza – em maior ou menor grau, por vezes, a depender de algo superficial, mas com implicações sociais profundas: a cor da pele.

Ora-pro-nóbis. 

No Brasil, menos de 30% dos livros publicados são de autoria de pessoas identificadas como mulheres, segundo o Instituto Pró-Livro e 97% dos autores publicados são brancos. Veja bem o paradoxo: de acordo com o levantamento, 59% do público leitor brasileiro é formado por mulheres. Ou seja, as mulheres leem mais e escrevem menos. 

Questiono: devido às triplas jornadas? Por falta de confiança e autoestima? Insegurança financeira? Rezar e esperar são aprendizados importantes como parte do caminho, mas não bastam. Especialmente em um contexto de apocalipse climático iminente, como nos alerta a escritora Eliane Brum

Pessoas identificadas como homens no poder vão destruir o mundo. 

Nem sempre as circunstâncias tornam a escrita fácil para nós. Escrever o que acabei de escrever não foi fácil. Dizê-lo é quase impossível.

No entanto, é justamente por haver coisas que não podemos compartilhar com ninguém por meio da fala que é preciso escrever. Todos os dias. Parafraseando Ernaux: escrever para que as coisas encontrem um termo, não sejam apenas vividas.

É preciso escrever para que sejamos também corpo-escrita – e inscritas na história. Escrevamos, portanto, pelas desigualdades enfrentadas pelo nosso sexo e, como diria Lispector, “apesar de”. 

*Exercício de texto criado a partir da música Ora-Pro-Nóbis, disco Tropicália ou Panis et Circenses. Proposta apresentada pela Dramaturga Amanda Carneiro, na turma de Dramaturgia – Módulo Azul, na linha de estudo de Dramaturgia da Escola SP de Teatro.

“O Nascer da Poesia: pequenos poemas, grandes ideias”

Pessoa segurando na mão um livro de poemas.

“Nada conterá a primavera” – Francisco, el Hombre

Foto de Valentin Salja, na Unsplash

É possível combater violência com poesia? Acredito que sim. Mas não se pensarmos nesta estritamente em um sentido lírico, métrico. Aqui, referencio a possibilidade da poesia em perspectiva mais ampla. A poesia que acolhe nossa vida por meio das canções, da Natureza e das relações diárias tocadas pelo afeto. 

Escrevo este texto, justamente, porque desejo compartilhar uma nova iniciativa no ano de 2025: o início do meu projeto “O Nascer da Poesia: pequenos poemas, grandes ideias”, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Arnaldo Grin, viabilizada por intermédio de financiamento do Estado do Rio Grande do Sul e apoio do Programa RS Seguro COMunidade.

A ideia surgiu a partir de uma lembrança do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. A proposta é, precisamente, trabalhar distintos aspectos da poesia em sala de aula, com estudantes dos Anos Finais, em uma escola pública fortemente afetada pelas enchentes de maio de 2024. Sua implementação se justifica, justamente, pelo objetivo de fortalecer a autoestima do público discente e combater a violência.

A violência só gera mais violência. Prova disto é o aumento no número de suicídios entre jovens e o número crescente de ataques com armas de fogo em escolas em anos recentes, como é possível encontrar facilmente comprovação estatística baseada em dados oficiais através de uma rápida pesquisa no Google.

Como acredito, a poesia é o que poderá nos salvar dos afogamentos em um contexto de sociedade violenta e marcada por diferentes camadas de opressão. “Educar para a poesia” é também uma maneira de combater uma lógica armamentista de solução de conflitos baseada em violência. 

A poesia é uma esperança. Mas não uma esperança que nos coloca em estado de alienação e apatia, como nos alerta sabiamente a escritora e jornalista Eliane Brum neste artigo, originalmente escrito para o jornal El País. 

O propósito deste projeto é tornar a poesia tangível, sensibilizar o olhar das e dos jovens para percebê-la e iluminar em seus corações a perspectiva de que, a partir de seus sentimentos e suas ideias, também podem criá-la. 

Por isso, te convido a acompanhar aqui no blog mais dos bastidores deste projeto que estou super contente em iniciar agora.

Com amor,

Rafa

6 leituras de 2024: dicas para você se inspirar

Fotografia: Kimberly Farmer, via Unsplash

Mais um fim de ano se aproxima e me peguei pensando: quais foram as leituras de 2024 que me fizeram evoluir e posso compartilhar como dicas para você se inspirar? A partir da questão, cresceu o desejo de compartilhar alguns livros que tocaram meu coração neste período. 

Claro que é complexo ser seletiva, mas a proposta aqui é apresentar obras que vão desde a literatura infantil, passando pela poesia e romance, caminhando também ao lado do erotismo.

Agora, sem mais delongas, espie algumas das minhas 6 leituras de 2024 que recomendo a você: 

1. Meu Crespo é de Rainha, de bell hooks

Ao ler bell hooks, descobri que cabelo não é só estética. Diz respeito à identidade e à autopercepção. Sim: a forma como nos relacionamos com ele também é política. E, no que diz respeito às crianças negras, torna-se ainda mais importante enaltecer a beleza dos fios crespos e encaracolados em suas mais distintas formas. 

É isto que, de uma forma simples e poética, bell hooks nos oferece neste livro colorido, fofo e cheio de personalidade, ilustrado por chris raschka. É recomendado para adultos e crianças a partir dos 3 anos (vale muito uma leitura em família!).

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2. Amora, de Natalia Borges Polesso

Amores, amoras, encontros, desencontros, desejos correspondidos ou não. Este livro de Natalia Borges Polesso traz contos que convidam às lágrimas: sejam de tristeza e/ou de alegria. Meu pai, Etílio Tuiscon Kich, costuma dizer que “todas as histórias são histórias de amor”. Gosto desta frase e esta obra, para mim, ilustra um pouco tal percepção.

Os contos da escritora trazem um toque de afago e fuga dos clichês ao passear por histórias que poderiam muito bem ser a de alguém conhecido seu – se não as suas próprias. Não por acaso, a obra já venceu o Prêmio Jabuti e foi traduzida e publicada em vários países. 

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3. Eu Versos Eu, de Paula Taitelbaum

Sou um pouco suspeita ao falar da Paula, por ser uma poeta, editora e escritora que tanto admiro e, inclusive, escreveu um comentário na contracapa do meu livro de poesias mais recentemente lançado, o “Fragmentos: poemas de pandemia”. Mas bem…que posso dizer? Poesia para mim é, entre muitas coisas, sinônimo de brincadeira com palavras.

E é isto que Paula faz neste livro que foi o seu de estreia, apresentando com coragem nuances da alma de uma mulher que sente, pensa, goza e quer muito da vida. Me inspira.

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4. Paula, de Isabel Allende

Não sou mãe (só de pet! hehe), então é complexo imaginar a dor de ver uma filha muito doente. No entanto, esta foi uma situação real da vida da escritora chilena Isabel Allende – e, como é típico das escritoras cujo talento transcende as palavras de seu livro – ela consegue transmitir tal sensação devastadora no livro “Paula”, um de seus maiores clássicos.

A obra não foi planejada, foi mesmo o resultado de uma sugestão da editora de Isabel para que ela atravessasse o difícil período em que esteve com a filha entubada no hospital lidando com a dor a partir das palavras. Ao dialogar e retratar fatos sobre sua infância e sua vida a ela, Allende acaba por rememorar também fatos importantes acerca da história do Chile, como a ditadura de Pinochet, no golpe militar de 1973.

Aqui, há um exemplo nítido do que Conceição Evaristo chama de escrevivência. Um livro para chorar, aprender, crescer e lembrar de valorizar o divino presente que é a saúde. Não por acaso ele consagrou Isabel como uma das maiores escritoras latino-americanas. 

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5. O Relatório Hite: Um Profundo Estudo sobre a Sexualidade Feminina, de Shere Hite

Mulher: você goza? Como goza? Quanto goza? Como gosta? Shere Hite foi uma mulher visionária, a partir de um questionário, ao entrevistar dezenas de mulheres acerca de sua sexualidade – algo que, por vieses religiosos e políticos, ainda hoje para algumas pessoas é tabu.

Neste livro, apresenta perguntas e respostas sinceras sobre temas que permeiam o erotismo e a vida sexual feminina, trazendo à tona temas como orgasmo, masturbação e relacionamentos homo e heterossexuais. 

Sem delongas, recomendo a leitura para todas as irmãs que procuram assumir o prazer em suas vidas com menos culpa e vergonha, mais amor-próprio e cuidado consigo mesmas. 

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6. Quintais, de Geruza Zelnys

Traumas, abusos, dor, violência. Beleza, êxtase, embalo, fruto. A vida tem disto tudo. É o que nos lembra a escritora Geruza Zelnys nos poemas do livro “Quintais”, obra que fortemente recomendo para quem tem coragem de deixar a poesia entrar visceralmente no corpo.

Como diz a também poeta Matilde Campilho, “a poesia não salva o mundo, mas salva o minuto”. O que Geruza, minha companheira de editora Patuá*, oferece aqui é um respiro, um escape de angústia, uma possibilidade de seguir pelas palavras – como é próprio da poesia. 

Compre o livro aqui neste link.

*Sim, eu também publiquei por esta editora um livro de poemas, chamado “A Parte de Nós Que Canta”. Você pode comprar aqui ou me enviar um e-mail no endereço rafaela.kich@gmail.com para eu te encaminhar uma cópia autografada. Envio para todo Brasil e exterior. 

E você, já leu algum destes livros? Qual foi o que mais gostou? Qual foi a sua leitura mais marcante de 2024? Fique à vontade para me contar aqui nos comentários.

Me despeço com votos de que 2025 nos brinde com amor, saúde, paz, prosperidade e, claro, muitas leituras estimulantes para expandir cada vez mais nossa percepção de mundo. Continue acompanhando os textos do blog nesta nova etapa.

Vamos ter muitas e muitas novidades. 🙂

*ps: os livros contêm meu link de Afiliada da Amazon. Ao comprar através deles, eu recebo uma comissão que ajuda a manter este blog, mas você não paga nada a mais por isso. Muito obrigada!

Série de Vídeos “Ivoti É”: Uma Cidade em Rostos

Foi mobilizada pelo Edital da Lei Paulo Gustavo que decidi, em 2024 implementar o projeto “Ivoti É…” em meu município, uma proposta inicial de 3 vídeos de 1 minuto junto de moradores e moradoras da cidade. Penso que a arte adentra camadas, toca subjetividades, mobiliza, aproxima. Enquanto multiartista, acredito que ela salva vidas.

A inspiração surgiu ao contemplar um trabalho Audiovisual da artista Vera Chaves Barcellos, denominado “Mulheres pelo Mundo” – ainda disponível no YouTube. Nele, a artista documenta a face de mulheres ao redor do mundo com distintos sotaques, formas de vestir e, claro, de várias nacionalidades. 

Percebendo uma imensa transformação também no cenário do município onde habito, surgiu a ideia de traçar proposta semelhante: elaborar, em vídeos curtos, uma montagem com moradores e moradoras da cidade falando seus nomes, de onde vêm e há quanto tempo estão aqui. 

Naturalmente, para isto a ideia foi percorrer distintos bairros da cidade e conversar com pessoas de variadas idades: crianças, pré-adolescentes, adultos e idosos. Escutar e valorizar as linguagens, as histórias, os caminhos que cada um percorreu até aqui: tanto os que chegaram há pouco, quanto aqueles que habitam esta terra há gerações.

Entre os depoimentos, portanto, estão tanto os de pessoas que foram nascidas e criadas na cidade de Ivoti – residindo até hoje por aqui – quanto de moradoras e moradores que estão há menos de um ano na cidade. Há, a título de ilustração, depoentes que vieram de Pernambuco, Amazonas e Ceará. 

A ideia parte do pressuposto de que dizer seu nome e partilhar sua história é uma forma de dignificar a existência de alguém. Esta é a força mobilizadora e transformadora da arte: os vídeos trazem simplesmente nomes e locais de origem, mas a conexão nos bastidores, os percursos vividos que me foram relatados, creio que fortaleceram os depoentes e minha autoestima enquanto artista e produtora cultural.

No decorrer do processo, transformações estruturais acontecem. Mudanças de percurso. Houve, ainda, um período de calamidade pública em meio às enchentes de maio de 2024.

Mas assim é: quando assumimos um projeto, existe um compromisso em finalizá-lo. E assim o fiz, da melhor maneira que pude. Trabalhar no Brasil com Audiovisual, em orçamentos que às vezes são bastante apertados, ainda é muito desafiador. Mas seguiremos.

Vejamos o que o futuro reserva. Os vídeos produzidos podem ser acessados aqui:

Deixo um agradecimento especial a tod@s que comigo compartilharam as suas histórias.

bell hooks e o amor como a maior prática política

Escritora bell hooks em palestra no ano de 2009.

Fotografia por Cmongirl – Domínio público

Sinto-me no dever de escrever um pouco sobre a última obra em que mergulhei assinada por bell hooks: “A Busca das Mulheres Pelo Amor” (Editora Elefante. 2024). Afinal, se pensar sobre o amor pode até soar piegas, talvez em uma nova era Trumpiana este seja o momento de reconsiderar a questão. 

Desde o início, me fisgou o quanto a explanação de hooks neste livro é próxima da realidade, da Cultura. Exemplifico: no decorrer da leitura, encontrava respostas sobre sentimentos associados às relações que estava vivendo naquele exato momento. (obrigada, bell, você me deu a mão!).

Ou seja: a percepção de hooks, a meu ver, parte de uma perspectiva profundamente espiritual. Mas sem jamais perder a percepção do Real. Em outros termos, a autora nos convida a pensarmos sobre o amor sem jamais deslocá-lo dos desafios impostos pelo racismo, a heteronormatividade e o patriarcado.

Sobretudo, talvez, algumas reflexões que tocaram uma parte muito íntima e verdadeira de mim foram aquelas que salientaram o amor como uma prática política capaz de dissolver as estruturas bélicas, opressivas e violentas da Cultura Ocidental e da vertente neoliberal. 

Afinal, amar não tem a ver com dinheiro. Talvez, em parte pelo aspecto da sobrevivência, pela perspectiva do zelo, até sim. Mas o excesso não garante amor. Amor de verdade demanda muito mais. Apoio. Incentivo. Afeto. 

Amemos, portanto! Esta força, embora não aparente, pode ser mais forte que as armas. É dela que, diante dos desafios – climáticos, sobretudo – precisamos agora mais do que nunca, novamente. 

  • Um fato divertido:

Instigada, parei ao abrir o livro no nome da tradutora: Julia Dantas. Que alegria! Uma autora conterrânea e extremamente talentosa ter tornado possível o acesso às palavras da bell hooks. 🙂 e, graças à 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, ainda foi possível receber este autógrafo/presente. Obrigada, Julia, pela acolhida carinhosa. Que nossos caminhos possam se cruzar de novo em breve.

Migrantes Somos Todes Nós – Poema em Homenagem aos 200 Anos da Imigração Alemã no Brasil

Autoria: Rafaela Dilly Kich

Tradução para o Alemão: Adriana Bühler Stephani

O imigrante é um caminhante 

Segue sempre em frente, viajante!

Veste-se? De Fé, Força, Esperança…

Persiste em busca da Herança

De uma Terra a chamar de Lar

Para junto dos amigos prosperar

O que nutre o sonho humano?

Este que gera movimento?

Em 1824, da Guerra o desalento

Em 2024, da Tempestade o tormento

A qualquer ano, a qualquer tempo

Existe um Sussurro do Vento que diz:

Migrantes Somos Todes Nós.

Versão Traduzida para a Língua Alemã:

Migrant ist ein Wanderer 

Immer vorwärts, Reisender!

Verkleidet er sich? In Glauben, Kraft, Hoffnung…

Er beharrt auf der Suche nach dem Erbe 

Eines Landes, das er seine Heimat nennen kann

Um mit Freunden zu gedeihen

Was nährt den menschlichen Traum?

Dieser Traum, der Bewegung erzeugt?

1824, vom Krieg die Entmutigung

2024, vom Sturm die Qual

In irgendeinem Jahr, zu jeder Zeit

Gibt es ein Flüstern im Wind, das besagt:

Migranten sind wir alle.