Alegria,
Eu e tu somos gêmeas.
Plenas, quando juntas.
Mas nem sempre consigo segurar você pela mão.
Aliás, nem sei se na vida o ideal seria “segurar” coisa alguma.
Segurar machuca.
Vi outro dia um passarinho pousar no banco do Parcão sob a luz crepuscular. Ficar um tempo ali. Voar embora.
Rememorando a cena, entendo melhor. As chegadas e partidas. Acolhimentos e abandonos.
O pássaro pousa. Fica. Quando decide, vai embora.
Porque para ele, diferentemente de para nós, humanos, a noção de abandono sequer existe. Tampouco a de rejeição.
Na Natureza, a liberdade é o estado natural das coisas.
Prender-se é o que simboliza o anti-natural.
Será que é assim que os relacionamentos terminam? Quando percebemos que realmente não é mais possível “segurar”?
Talvez esta seja uma das etapas. A outra é a incongruência, possivelmente. De valores. Também os sonhos distintos.
Quando o estar junto torna-se mais vazio que presença. E nada mais “alimenta” a relação. O silêncio – antes confortável – torna-se pesaroso.
E você, Alegria, some. Tornando evidente a frase de Frida Kahlo: “onde não puderes amar, não te demores”. Porque o Amor é um imperativo para você, certo?
Você some sem o Amor.
E, quando passa o ponto do fim, Alegria, você parece se apresentar sempre acompanhada de Vergonha, pois você não sabe ser falsa.
Você é ou não é.
E eu te quero sendo. Inteira. Genuína.
Mas como ir embora sem que o outro se sinta abandonado? Compreendendo a ilusão provocada pelo apego.
O outro só pode sentir-se abandonado diante do apego. E o apego, como escreveu Nilton Bonder, é a grande traição.
Uma traição à possibilidade do outro ser livre. E, como consequência, uma traição à liberdade de si mesmo.
Claro: é preciso delimitar espaços e contornar arestas para não machucar demais a nós mesmas e ao outro. Para que ele possa compreender a partida.
Mas seguir é preciso. Para respirarmos leves.
Por nós. E por quem amamos.
Ir embora, diante de um inevitável fim, é também um gesto de amor dos mais genuínos e sinceros.
E você vai comigo, Alegria.