“Ângela” é um filme que propõe uma reflexão urgente: como homens e mulheres podem se libertar de relações destrutivas?

Foto: Divulgação/Downtown Filmes

“Ângela” – cinebiografia estrelada por Isis Valverde e Gabriel Braga Nunes (2023) – é um drama que retrata a história com fim trágico de Ângela Diniz (1944 – 1976), socialite mineira, abraçando como ponto de partida o relacionamento com seu então “parceiro”, Raul Doca Street.

Nesta produção inédita, acompanhamos a história de uma mulher. Humana. Em uma sociedade criada, guiada, legislada, orientada por homens. Como, em certa sentença do filme, a própria protagonista coloca:

“O problema é que a lei nunca está do nosso lado. A lei é feita por homens. Eternos garotos”.

Diante deste contexto, vemos o retrato de Ângela lidando com situações internas e externas conflituosas, onde causas e efeitos da estrutura patriarcal se misturam. Assim, mergulhamos em todas as complexidades de sua psique. 

Por vezes, ela aparenta estar muito segura de si. Em outras, muito confusa. Como a própria refere em dado momento:

“Às vezes acho que estou voando, às vezes acho que estou caindo”.

Fruto destas oscilações, vemos também uma mulher que por vezes é extremamente autoritária e, em outras, humilde o suficiente para se desculpar. Como ocorre no caso da relação conturbada inicial com a colaboradora da casa, Lili – vivida por Alice Carvalho 

Colaboradora esta que, aflita, acompanha o desenrolar da relação violenta e isolada de Ângela e Raul em sua casa de Búzios. E, por vezes, demonstra não saber exatamente como interferir. Em algumas cenas, inclusive, a câmera sugere que ela estaria pronta para medidas extremas (como o close em uma faca de cozinha).

Por sua expressividade e entrega no papel – a meu ver-, Alice explicita como o desenvolvimento da empatia entre mulheres pode ser um caminho para obstruir o ciclo de violência (embora nem sempre seja capaz de evitar o feminicídio, em um país onde a política de “não meter a colher” no relacionamento alheio ainda impera).

Penso que talvez – seja pelo intuito de “apimentar” o longa e/ou prender a atenção – há certo excesso de cenas de sexo e, com isto, o filme possa se equivocar em alguns momentos no sentido de confundir a ideia de que a expressão mais carnal da libido, por exemplo, pode conduzir a fins violentos. A uma espécie de tragédia.

Inquestionavelmente, sobretudo, a meu ver, Ângela traz o retrato de uma mulher corajosa e que teve uma morte absurda e precoce. Por feminicídio. Crime cuja pena, até 2023, poderia ser abrandada por argumento de “legítima defesa da honra” – ao qual apelou Raul após assassinar a ex-companheira com três tiros no rosto e um na nuca.

Por fim, penso ser válido ressaltar que o filme levanta algumas perguntas-legado de cunho psicanalítico: o que é este complexo de inferioridade do ser humano que pode levar ao ciúmes doentio? Como superar esta complexidade de amadurecimento psíquico para libertar homens e mulheres de relações desequilibradas e codependentes?

Justamente por abrir margem para estas questões, o filme se mostra extremamente essencial no contexto atual. E, apesar do enredo trágico, a mim particularmente é sempre um deleite ver Isis Valverde atuando. 

Parabenizo o Diretor Hugo Prata e os Produtores Fabio Zavala e Daniel Caldeira, também em nome de toda a equipe envolvida na produção. 

Viva o cinema nacional.

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